Caleidoscópica. Eis uma possível verdadeira adjetivação para a África que (se) acontece nos contos poéticos de Mia Couto. Caleidoscópica por que? Porque evoca não uma África, mas várias, de modo multifacetado, pluri- e como a própria África multicultural com suas diversas peles oleosas e escamosas. Mia nos apresenta não somente um continente, como bem pensa o filósofo Bachelard, não devemos ter apenas uma reflexão geométrica, mas um pensamento social e cultural, dessa maneira, o poeta moçambicano nos apresenta um universo estrondoso realmente mágico, que se instala, se (re)inventa, se faz no dividir e multiplicar-se no devir deleusiano por intermédio da linguagem.
Sendo assim, se faz necessário algumas interrogações amplas para debate: como o poeta se posiciona em relação à África? De que forma ele percebe e constrói a mater África em si, por meio da poeticidade que é um instrumento de captação da arte literária em prosa do real, instrumento de denúncia também, para nós? A África, conto, chega e inflama os leitores como uma erupção vulcânica existencial de cores, sons, peles, exatamente numa festividade epifânica do ato de escrever que se desfaz e dialeticamente se volta a ser apresentada e representada na intervenção da memória da voz. Esta celebra as riquezas humanas até os dissabores africanos. Parece-me que nada escapa da escrita aos olhos do poeta Mia que por causa desses inumeráveis olhares transformativos, sobre a existência das inúmeras e incabíveis Áfricas. Desmonta toda uma face única, fixa e totalitária do que seria essa terra. Como nos lembra Peron Rios, o poeta contador Couto mistura lado a lado os dois universos uno escritura-voz e fala-letra desencadeando assim um denso e constante diálogo intertextual da Literatura com a África, da Literatura africana com o mundo e conseqüentemente, o enlace da memória à realidade e do imaginário à cultura afro. E, principalmente, ao abrir fronteiras, através dos seus encantos léxicos e semânticos, precisamos sempre ter em mente, e não esquecermos que a linguagem seja ela escrita ou oral tem sem dúvida um relevante papel nas sociedades, até porque pelos significados e significações que lhes atribuímos. Dessa forma, o fio condutor que vincula memória, imaginário e oralidade na linguagem dos contos de Mia Couto em torno explode o espaço da diversidade. Ainda vale lembrar que os contos do escritor moçambicano intrinsecamente promove a oralidade com o contexto da memória coletiva, individual, política, social, histórica, antropológica de lugares, entrelugares e não-lugares, cidades, países e o universo africano que se desdobra na cultura do planeta, pautado na dimensão artística do viés literário.
Outra facetada é acerca das identidades presentes nos contos, e como afirma o antropólogo Raul Lody, as identidades culturais de um povo se dá a partir da interação das práticas discursivas do passado com as do presente. Logo, os contos de Mia Couto nos remete a relação África-Brasil-português tríade histórica como triângulo de questões e nos direciona com seus reflexos e reflexões dantescas até os questionamentos de/no ensino, sem esquecermos dessas outras encruzilhadas no terreira da Educação orientada pela Lei N. 10.639/03 que coloca nas escolas a “obrigação”, não gosto deste termo, trocaria pela oportunidade de ampliar universos humanos, do ensino da história e da cultura africana. Mia Couto e seus contos é uma excelente porta de entrada para conhecermos as nossas Áfricas.
Portanto, estas são as Áfricas que emergem caudalosamente e de rostos iluminados de pinturas, norteadas pelos olhares caleidoscópicos de Mia Couto e nossos que promovem outros olhares “down” colocando a periferia no centro e deslizando os olhares periféricos aguçados, caminharemos de margem a margem, de imagem a imagem, de poesia a poesia em uma contínua conversa de roda que conta o conto, na corrente vertiginosa da linguagem pensa rio do infinito de cada um escandalosamente vislumbraremos as Áfricas: em perfeita metamorfose.
L. Torres
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